A observação e contemplação da obra Noite de São João – 1961 (50 x 46 cm), de Alberto da Veiga Guignard, faz merecer a atenção do presente artigo por captar a exaltação de um relevo traçado em seus níveis mais altos e mais baixos, o qual trás à tona um efeito de realismo na espacialidade que envolve o vôo dos balões de Festas Juninas. Tendo como tema uma noite de comemoração do dia de São João, através de Guinard a pintura com óleo sobre madeira se compõe em altos e baixos de um relevo montanhoso. São níveis que se mostram extremos a ponto do observador poder ver uma cidade flutuante. Elementos da obra e suas respectivas disposições nos dão a possibilidade de imaginar a cidade de Ouro Preto – Minas Gerais, na qual comemora-se numa noite o Dia de São João. Os balões e as igrejas evocam um motivo religioso e destacam-se pela grande quantidade em que aparecem na obra e não por suas dimensões, pois essas são mínimas. Esses pequeninos objetos engrandecem ainda mais o relevo da paisagem em Noite de São João.
Montanhas muito altas, pessoas e igrejas bem pequenas e balões típicos de festas juninas parecem bem próximos à lua e às estrelas. O céu parece uma grande neblina que domina o espaço. O trem entre as montanhas parece ser a única forma de ligar os dois extremos laterais da pequena cidade. Pequenos pontos escuros espalhados na paisagem parecem entradas de túneis ou de pequenas casas. Um grupo de pessoas próximo a uma igreja e a um dos vários balões acentua a idéia de festa. Caminhos entre as pedras, o que talvez seja representado por sutis traços brancos, espalham-se na amplitude. A cidade é envolta por densa neblina que talvez faça com que o brilho da lua pareça esverdeado. Esses são os elementos trazidos por Guinard nessa Noite de São João – 1961.
A composição da pintura se faz a partir de uma disposição de elementos onde o referencial ganha importância específica. No centro inferior destaca-se o trem passando por uma ponte ou beirada de uma montanha. A locomotiva parece estar entre duas cadeias montanhosas. No lado esquerdo inferior o destaque vai para o trilho que entra na montanha e no direito inferior vai para o grupo próximo a um balão e a uma igreja. No centro superior destacam-se os balões subindo. A área superior traz na esquerda uma igreja em meio às nuvens e no lado direito uma igreja também surge em meio à neblina, porém, quase não visível. As igrejas sempre estão em beiras de penhascos e a cidade parece misturada ao céu. Os elementos da obra não tendem a se agrupar nos níveis do relevo da paisagem, ao contrário, se espalham. Os balões encontram-se abaixo e acima das igrejas e estas se encontram em diferentes níveis. É grande o espaço entre cada elemento, o que aumenta ainda mais a sensação de vastidão.
A técnica usada pelo artista se dá por pinceladas de tinta a óleo sobre madeira, em esfumaçado, formando relevos a partir da tinta (elemento que, unido à textura da madeira, torna a cidade mais real).
Os tons frios aparecem em gradações de marrom e preto. O brilho do branco trás destaque para as igrejas, lua e estrelas, enquanto as cores quentes destacam os balões e as pessoas. A lua traz iluminação e brilho apesar dos tons sóbrios do céu.
Pouco provável ver a obra e não perceber nela a paisagem da cidade de Ouro Preto. Assim como na real cidade, na pintura encontram-se muitos morros e muitas igrejas. O destaque dos balões e das igrejas expressa a importância da data, do momento de comemoração. As cores das pessoas expressam alegria (coloridas em cores quentes). Uma delas se estica em direção ao balão e afasta-se um pouco do grupo para se posicionar num nível mais alto, demonstrando assim o fascínio pelo balão. A altura do vôo dos balões (na obra voam tão alto como na realidade) intensifica a imensidão da cidade flutuante. Igrejas na beira de penhascos parecem dar, ainda mais, uma impressão de alto. E a visão geral do quadro acontece como num embaçar de vista, fazendo a visão captar apenas os extremos da noite de festa na cidade (muitas igrejas, muitos balões, pessoas coloridas, o trem pelo trilho a soltar fumaça e o brilho da lua e das estrelas).
Rodrigo Naves, em A forma difícil, define as paisagens de Guignard como tristes (pg. 131), de complexidade crescente, como descentramento que nos obriga a abandonar a possibilidade de uma ordenação que reunificasse tudo de maneira pacífica (2001, pg. 133). Porém, é possível imaginar as montanhas altas (a ponto de se misturarem ao céu) e as igrejas e pessoas tão pequenas, como criadoras do seguinte efeito: transformar o vôo dos balões numa cena mais real. Se uma igreja é pintada bem pequena numa montanha, à beira de um penhasco, a montanha nos parece muito alta, afinal, sob ela há uma grande queda no relevo. Se uma montanha é pintada tão alta, o balão pintado acima dela, logicamente, encontra-se mais alto ainda no céu. O grande fascínio de uma Festa de São João geralmente se dá em torno dos balões (a literatura e as artes plásticas usam com grande freqüência os balões nessa representação – lembrando que a obra em questão não é a única em que Guignard usa tal tema). Guignard destaca nitidamente os balões pintando-os de verde e vermelho (as cores mais fortes da obra) e, na composição da pintura, os representa bem ao centro da cena. Os tons frios, apesar de predominarem na imagem, não roubam a cena. Pelo contrário, por ocuparem uma área extremamente maior que os balões, destacam o verde e o vermelho desses objetos voadores.
A partir da exposição de todos os elementos já tratados, é possível notar uma especial importância que os balões exercem na obra. Relações de contrastes dimensionais (ex: pequeno e grande, pequenos, porém muitos, pequenos, porém no alto etc) mostram se assim como possíveis estratégias visuais usadas por Guignard na conquista de exaltação do motivo da obra A noite de São João – 1961.