segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Te amo, profano

 


 

Te amo, profano

Beltrano, ciclano, fulano

Me dano

Nos danos

Nos anos

Nos panos do corpo mundano

 

 

Te quero Devasso

sem laço

No abraço

Sem aço

Sem tempo, sem espaço

 

Te quero fiel

Ao doce amargo mel

De toda a imensidão do meu céu

Na beleza do sempre cruel

Ondas

 

Quem dera eu... ter meus braços como segmentos dos seus cabelos. Longos e inseparáveis. Entrelaços  e abraços. Eterno embaraço. Os fatos, um fiasco. Daquilo que é só desejo e não traço. Sem carícias. Sem espaço.

Poesia nota sobre o ser humano

 


 

Como num milagre, vive de migalhas.

 

Migalhas de afeto

Migalhas de vida

Migalhas de filhos

 

De amor

Migalhas de reviravoltas

De conforto, de segundos

 

Migalhas de infinitos

De pão, de milagres.

 

Sementes são migalhas

Da semente, a raiz

Da raiz, a vida

Da vida, as flores, os frutos.

Doces Verdes Azedos Maduros

Da terra, o milagre , que é natureza

 

Migalhas nem sempre são migalhas

Caem no peito e brotam.

Explosão.

Num silêncio profundo

Acordam meu coração

Máscaras

 


 

Me mostre o seu rosto

O desgosto!

O imposto!

O fel no dorso, o encosto

 

Me mostre sua cara lavada

Cansada

Estraçalhada

Sem rumo, largada

 

Me mostre a vontade do gozo

Do corpo aquoso

Do prazeroso

Indecoroso desejo doloroso

 

E dê a sua cara a sorte

A morte

O corte

Quem sabe... o peito seja corajoso e forte

 

Não quero ver seu rosto

Me  contorço

No esforço

De aceitar o fundo do poço.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Raios de sol


O dia marrom da cor do barro. A seca do inverno avermelhando as paredes da casa com a poeira da terra. La fora, verde. Cheiro úmido do orvalho na imensa e mista vegetação que muito resiste. O riscar bruto do fósforo - firme e decidido. O cheiro do cigarro misturado a fumaça da lenha. O homem na janela no primeiro trago, com gozo. Apesar do prazer, da janela e do cigarro, ele se interessa em aprecia-la, como sempre. Aquela linda mulher sobre a cama, acolhida em si mesma, em pleno prazer da manhã de domingo. Sem horário. Sem tempo. Sem pressa. Ela aprecia a fumaça do cigarro saindo pela janela, sob a luz do sol, em raios largos e definidos. Ele, percebendo o despertar dela, se direciona ao fogão enfumaçado e coa um café. Ela, em reação: “Adoro o cheiro do café...”. E sorri pra si mesma de olhos fechados, esfregando o rosto no travesseiro. Ela, meiga. Ele, apaixonado. E leva até ela a caneca cheia e enfumaçada. Ela se mexe, aprumando-se na cama e, novamente, aprecia o perfume do café, aproximando o rosto da fumaça quente e acolhedora. Ele olha pra ela. Inclina a cabeça em pura admiração, invade seus olhos e passa os dedos entre seus cabelos. Ela pede um trago em meio às goladas de café. Ele não tira os olhos dela. Ela não sente mais o frio e se desvencilha do cobertor que a enrolava até o busto. Nua. Ele apaga o cigarro. Eles compartilham o café e esvaziam a caneca. Ele, sentado na cama, aprofunda cada vez mais o seu olhar. Nela. Ela. O sol entra em lentos movimentos. Os raios se confundem com as suas mechas claras e despenteadas. Ele começa pela nuca. Dela. Se aproxima. A mão firme se faz delicada e forte. Desce até os seios. Ela séria e embebecida. Não há tempo de se decidir sobre a entrega. No primeiro olhar, já se faz. Os seios perdem as mãos trocadas por beijos famintos. As costas ganham as mãos largas, apressadas, fortes e decididas. Os troncos se encostam, inteiros. Os beijos se contorcem. Pelos cabelos comprimidos em suas mãos certas, ele a conduz a deitar-se sob ele. Ela o aceita. Ela o permite. Ele a agradece.

domingo, 13 de janeiro de 2013

ANÁLISE DE OBRA: ACROBATAS, 1958, DE CANDIDO PORTINARI, ACERVO DO MUSEU DE ARTE DA PAMPULHA - MAP


Introdução
O presente estudo tem como objetivo apresentar descrições técnica e formal sobre a obra Acrobatas, de Candido Portinari (Brodósqui SP 1903 – Rio de Janeiro RJ 1962). O artista foi pintor, gravador, lustrador e professor e se destacou no contexto artístico brasileiro com importante participação na criação da arte moderna nacional. A obra data de 1958 e faz parte do acervo do Museu de Arte da Pampulha – MAP, em Belo Horizonte.
















http://teste.otempo.com.br/jornalpampulha/noticias/?IdNoticia=7576


Descrição técnica
A obra tem dimensões de 62 cm x 76 cm, técnica de tinta a óleo sobre madeira e apresenta como tema dois sujeitos em posição de acrobacia. Ambos se encontram de cabeça para baixo, com pés voltados para cima, apoiados no chão pelas mãos ou cabeça. As cores presentes na obra são tons de verde, rosa, azul, amarelo, alaranjado, preto e cinza.
O modo estilístico adotado por Portinari em Acrobatas traz pinceladas suaves , em esfumato: A palavra vem do italiano e significa “à maneira da fumaça”. Esta técnica consiste em não pintar linhas de contornos nas formas, mas pelo contrário, criar um efeito de claro e escuro que possibilite uma passagem sutil de uma cor para a outra. (http://sabermaisarte.blogspot.com.br/). Ou seja, a criação das formas se dá pelo contraste entre as cores e não por linhas de contorno.
Sobre o posicionamento dos sujeitos na obra, se vê o acrobata da direita apoiado no chão pelas mãos e pela cabeça, com o corpo reto em sua verticalidade. Já o acrobata da esquerda, se apóia no chão apenas pela sua mão direita e tem as penas inclinadas para seu lado esquerdo (seu braço esquerdo encontra-se reto, suspenso no ar).
A noção de plano se faz em Acrobatas através de cores e formas quadradas. O plano de fundo pode ser identificado pelo domínio da cor verde. Já em relação ao primeiro plano, se percebe uma variedade de cores e formas quadradas compondo o que seria o chão com a presença do acrobatas se apoiando.
A composição da obra apresenta os acrobatas na área central da pintura e, como dito no parágrafo anterior, dois planos podem ser identificados. Na área central do plano de fundo, interrompendo o domínio do verde, o mesmo estilo de formas e cores do chão no primeiro plano surge na obra. Essa interrupção aparece como plano de fundo das pernas dos acrobatas.

Descrição formal
Em Acrobatas é nítida percepção da posição dos sujeitos em suas acrobacias apesar da ausência de traços e linhas definidas. Portinari não coloca em dúvida a posição em que se encontra cada membro dos corpos dos acrobatas. E o posicionamento de cada um dos membros acontece em harmonia com os outros, criando assim um equilíbrio físico, o qual possibilita a realização bem sucedida da acrobacia.
Apesar dos dois acrobatas se mostrarem semelhantes a artistas de rua (impressão criada pela forma simples como se vestem), dois aspectos da obra sugerem a sensação lúdica de uma esfera circense: as cores e a interrupção do verde a qual faz o plano de fundo das pernas suspensas dos acrobatas. A questão das cores se constrói nessa esfera a partir da diversidade pictórica da obra. Diferentes cores se espalham por diferentes áreas. Todo esse colorido cria características semelhantes a de um ambiente de circo. Essa impressão é fortalecida pelo plano de fundo colorido das pernas dos acrobatas. Esse elemento tem formato cônico, lembrando a iluminação focada que comumente se vê sobre os artistas durante apresentações. A seguinte imagem ilustra essa idéia:



Esse plano de fundo colorido que acompanha as pernas dos acrobatas cria outra sensação, além da idéia da iluminação focada: se mostra como uma extensão do chão, criando a impressão de uma falta de limites para o movimento dos acrobatas. Os elementos ar e chão se trocam assim como as pernas são trocadas do chão para o ar (fato que cria o movimento do acrobata). Ao mesmo tempo em que o chão está na área inferior da obra, ocupa também o centro e a área superior. Portinari parece brincar com os planos, desfazendo assim limites entre o céu e a terra, da mesma forma como fazem os acrobatas.

Conclusão
A descrição técnica de uma obra está mais voltada para um sentido de identificação. Um exemplo disso é a sua utilização em fichas de cadastro e identificação de obras, usadas em instituições como museus e galerias de arte. Já a descrição formal, é mais voltada para estudos no campo das artes visuais, contribuindo para a expansão das possibilidades de interpretação de efeitos criados por elementos como composição e uso das cores e das formas nas obras.
Portinari, em Acrobatas, cria de forma bastante rica efeitos que ultrapassam os elementos da descrição técnica. A obra, portanto, oferece possibilidades para a análise formal a partir de uma visão que vai além dos aspectos técnicos e confirma assim o considerável reconhecimento da arte de Portinari no contexto nacional e mundial.


Referências:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_criticas&cd_verbete=121&cd_item=15&cd_idioma=28555
http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://teste.otempo.com.br/jornalpampulha/fotos/20110319/foto_galeria_07032011170801.jpg&imgrefurl=http://teste.otempo.com.br/jornalpampulha/noticias/?IdNoticia%3D7576&h=520&w=600&sz=130&tbnid=RNnCZMBDJyZg2M:&tbnh=90&tbnw=104&prev=/search%3Fq%3Dacrobatas%2Bportinari%26tbm%3Disch%26tbo%3Du&zoom=1&q=acrobatas+portinari&usg=__pEb1gsHX5a7uBlqwWmAZ_fj0LW0=&docid=nyGiDGGa53C6xM&hl=en&sa=X&ei=wTPzUOW5LJTo9gTJ2IGACw&ved=0CDEQ9QEwAg&dur=422

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Artigo sobre Arte: Guignard, Noite de São João - 1961

A observação e contemplação da obra Noite de São João1961 (50 x 46 cm), de Alberto da Veiga Guignard, faz merecer a atenção do presente artigo por captar a exaltação de um relevo traçado em seus níveis mais altos e mais baixos, o qual trás à tona um efeito de realismo na espacialidade que envolve o vôo dos balões de Festas Juninas. Tendo como tema uma noite de comemoração do dia de São João, através de Guinard a pintura com óleo sobre madeira se compõe em altos e baixos de um relevo montanhoso. São níveis que se mostram extremos a ponto do observador poder ver uma cidade flutuante. Elementos da obra e suas respectivas disposições nos dão a possibilidade de imaginar a cidade de Ouro Preto – Minas Gerais, na qual comemora-se numa noite o Dia de São João. Os balões e as igrejas evocam um motivo religioso e destacam-se pela grande quantidade em que aparecem na obra e não por suas dimensões, pois essas são mínimas. Esses pequeninos objetos engrandecem ainda mais o relevo da paisagem em Noite de São João.
Montanhas muito altas, pessoas e igrejas bem pequenas e balões típicos de festas juninas parecem bem próximos à lua e às estrelas. O céu parece uma grande neblina que domina o espaço. O trem entre as montanhas parece ser a única forma de ligar os dois extremos laterais da pequena cidade. Pequenos pontos escuros espalhados na paisagem parecem entradas de túneis ou de pequenas casas. Um grupo de pessoas próximo a uma igreja e a um dos vários balões acentua a idéia de festa. Caminhos entre as pedras, o que talvez seja representado por sutis traços brancos, espalham-se na amplitude.  A cidade é envolta por densa neblina que talvez faça com que o brilho da lua pareça esverdeado. Esses são os elementos trazidos por Guinard nessa Noite de São João – 1961.
A composição da pintura se faz a partir de uma disposição de elementos onde o referencial ganha importância específica. No centro inferior destaca-se o trem passando por uma ponte ou beirada de uma montanha. A locomotiva parece estar entre duas cadeias montanhosas. No lado esquerdo inferior o destaque vai para o trilho que entra na montanha e no direito inferior vai para o grupo próximo a um balão e a uma igreja. No centro superior destacam-se os balões subindo. A área superior traz na esquerda uma  igreja em meio às nuvens e no lado direito uma igreja também surge em meio à neblina, porém, quase não visível. As igrejas sempre estão em beiras de penhascos e a cidade parece misturada ao céu. Os elementos da obra não tendem a se agrupar nos níveis do relevo da paisagem, ao contrário, se espalham. Os balões encontram-se abaixo e acima das igrejas e estas se encontram em diferentes níveis. É grande o espaço entre cada elemento, o que aumenta ainda mais a sensação de vastidão.
A técnica usada pelo artista se dá por pinceladas de tinta a óleo sobre madeira, em esfumaçado, formando relevos a partir da tinta (elemento que, unido à textura da madeira, torna a cidade mais real).
Os tons frios aparecem em gradações de marrom e preto. O brilho do branco trás destaque para as igrejas, lua e estrelas, enquanto as cores quentes destacam os balões e as pessoas. A lua traz iluminação e brilho apesar dos tons sóbrios do céu.
Pouco provável ver a obra e não perceber nela a paisagem da cidade de Ouro Preto. Assim como na real cidade, na pintura encontram-se muitos morros e muitas igrejas. O destaque dos balões e das igrejas expressa a importância da data, do momento de comemoração. As cores das pessoas expressam alegria (coloridas em cores quentes). Uma delas se estica em direção ao balão e afasta-se um pouco do grupo para se posicionar num nível mais alto, demonstrando assim o fascínio pelo balão. A altura do vôo dos balões (na obra voam tão alto como na realidade) intensifica a imensidão da cidade flutuante.  Igrejas na beira de penhascos parecem dar, ainda mais, uma impressão de alto. E a visão geral do quadro acontece como num embaçar de vista, fazendo a visão captar apenas os extremos da noite de festa na cidade (muitas igrejas, muitos balões, pessoas coloridas, o trem pelo trilho a soltar fumaça e o brilho da lua e das estrelas).
Rodrigo Naves, em A forma difícil, define as paisagens de Guignard como tristes (pg. 131), de complexidade crescente, como descentramento que nos obriga a abandonar a possibilidade de uma ordenação que reunificasse tudo de maneira pacífica (2001, pg. 133). Porém, é possível imaginar as montanhas altas (a ponto de se misturarem ao céu) e as igrejas e pessoas tão pequenas, como criadoras do seguinte efeito: transformar o vôo dos balões numa cena mais real. Se uma igreja é pintada bem pequena numa montanha, à beira de um penhasco, a montanha nos parece muito alta, afinal, sob ela há uma grande queda no relevo. Se uma montanha é pintada tão alta, o balão pintado acima dela, logicamente, encontra-se mais alto ainda no céu.  O grande fascínio de uma Festa de São João geralmente se dá em torno dos balões (a literatura e as artes plásticas usam com grande freqüência os balões nessa representação – lembrando que a obra em questão não é a única em que Guignard usa tal tema). Guignard destaca nitidamente os balões pintando-os de verde e vermelho (as cores mais fortes da obra) e, na composição da pintura, os representa bem ao centro da cena. Os tons frios, apesar de predominarem na imagem, não roubam a cena. Pelo contrário, por ocuparem uma área extremamente maior que os balões, destacam o verde e o vermelho desses objetos voadores.
A partir da exposição de todos os elementos já tratados, é possível notar uma especial importância que os balões exercem na obra. Relações de contrastes dimensionais (ex: pequeno e grande, pequenos, porém muitos, pequenos, porém no alto etc) mostram se assim como possíveis estratégias visuais usadas por Guignard na conquista de exaltação do motivo da obra A noite de São João – 1961.